terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A gonorréia do rei


Todo mundo aprendeu na escola que D. Pedro I era um sujeito impetuoso e apaixonado pelo Brasil, a cujo destempero (não apenas de personalidade, mas também intestinal, segundo as más línguas) devemos a proclamação da independência. Pode até ser. A história também registra que ele era um tremendo rabo-de-saia, atributo que lhe rendeu a folclórica imagem de conquistador barato. Porém, sobre as gonorréias do rei, ninguém fala. Ou quase ninguém, pois a comédia Pedro e Domitila, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, ocupa-se justamente de mostrar o então imperador e sua amante Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, em ceroulas (ambos) e meias furadas (ele).
A história é narrada pelos irreverentes e debochados escravos Tião e Zefa, que mais parecem flanelinhas dos dias atuais que escravos do século XIX. Nada demais numa montagem em que D. Pedro I entra em cena consultando um relógio de pulso e que, a certa altura, reaparece envergando uma camisa do Vasco da Gama (!) enquanto reclama da implacável gonorréia.
A peça faz rir porque o sujeito que se apresenta como Imperador do Brasil lembra muito aquele primo fanfarrão que todo mundo tem na família, e a Marquesa de Santos é tão interesseira quanto as moças que não se casam enquanto não encontram alguém disposto a sustentá-las. Ou seja, ri-se diante do espelho. Se você acha que cada país tem o dirigente que merece, comente abaixo. Comente, também, se você acha que a vida pessoal dos dirigentes não influencia em nada o destino dos povos.
A peça abusa de chavões, como quando Domitila diz “O Brasil é rico, o povo que é pobre” ou quando cobra indenização “por serviços prestados” ao romper o romance com D. Pedro I. Entretanto, isso não compromete o riso motivado pelo excelente casamento entre o timing do texto de Ênio Gonçalves e a interpretação do quarteto Igor Kovalewski (D. Pedro I), Ana Paula Vieira (Domitila), José D’Lucena (Tião) e Rosana Maris (Zefa).
O teatro Sérgio Cardoso fica na rua Rui Barbosa, 153 - Bela Vista - São Paulo. Telefone: (11) 3288-0136. A peça permanece em cartaz até 30/03.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Diversão na quarta-feira


Tempos atrás fui apresentado à poesia de Mário Quintana pela Jaqueline, do Paraná. Embora o nome do poeta não me fosse totalmente estranho, certamente não me lembraria dele caso precisasse enumerar dez poetas brasileiros contemporâneos. Aliás, você aí, consegue citar de memória 10 poetas brasileiros? Eu não consigo. Se você consegue, deixe um comentário anunciando a proeza, pois você está acima da média.
Pois bem, não é que gostei dos poemas do Quintana? Pelo menos os que conheci até o momento, que não são muitos, têm uma clareza meridiana e cortante. Vejam este:

Do amoroso esquecimento

Eu, agora – que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

A Jaque recomenda um outro:

Alma errada
Há coisas que a minha alma,
já mortificada não admite: assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom,
a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há…
e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,ouvindo o que todos ouvem,
bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda.
(Desconfio até que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente,
o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…


Nascido em 1906, o gaúcho Mário Quintana faleceu em 1994 com 88 anos. Em 2006 foi homenageado pelo governo do Rio Grande do Sul com o Ano do Centenário de Mário Quintana,
cujo site na internet ainda está disponível. A apresentação que o poeta fez de si mesmo para a Revista IstoÉ em 1984, reproduzida na abertura do site, é imperdível.
Moral da história: ler poemas e conhecer nossos poetas pode ser uma atividade divertida. Principalmente quando se está no escritório, como é o meu caso neste momento, com montanhas de trabalho esperando providências.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O Abaporu é nosso (por alguns dias)


Não é todo dia que se tem oportunidade de apreciar o Abaporu, de Tarsila do Amaral, original e a poucos centímetros dos olhos. Quadro-símbolo do modernismo, atualmente pertencente a um colecionador argentino, a tela mais importante já produzida no Brasil retorna ao país (por alguns dias) como parte da exposição “Tarsila Viajante”, que celebra os 80 anos do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade. A exposição, composta de 40 pinturas e 110 esboços de Tarsila, ocorre na Pinacoteca do Estado (Praça da Luz, 2 – Centro, São Paulo, SP. Telefone: 11 3324-1000) e poderá ser vista até 16 de março de 2008. A Pinacoteca permanece aberta de terça a domingo e cobra R$ 4,00 e R$ 2,00 (estudantes e idosos) de ingresso. Menores de 11 anos não pagam. Aos sábados, entrada gratuita para todos.
Diante das pinturas de Tarsila, fica fácil entender expressões do mundo das artes plásticas como “redução de cores” e “simplificação das formas”. Não entendeu nada? Aproveite para conferir na Pinacoteca.
Sugiro um olhar especial para as telas “Operários” e “Segunda Classe”, pintadas depois que Tarsila visitou a antiga URSS em 1933 e consideradas como obras que introduziram a temática social nas pinturas brasileiras.

Drosophyla



Sexta-feira (8) fui comemorar o aniversário da Vanusa, amiga verdadeira e de longa data, no Drosophyla, bar localizado na Pedro Taques, 80, uma travessa da Consolação. “Diferentão”, o lugar promete sensações bizarras. Pode ser, mas eu não experimentei nada de diferente – talvez tenha saído antes da hora ou não tenha prestado atenção suficiente à decoração descrita pelos proprietários como “barroco contemporâneo” e justificada com um lacônico more is more. Sei lá.
Só vai ao Drosophyla quem já conhece o bar ou, como eu, é levado por alguém. Na frente não tem sequer um letreiro indicando a sua existência. Entra-se na construção dos anos 40 (segundo os proprietários) por um corredor estreito e mal iluminado e lá dentro cada um se ajeita como pode. Se não for dia de casa cheia, há sofás, cadeiras, banquetas e tamboretes disponíveis. Se estiver lotado, agarre o primeiro assento que encontrar dando sopa e não o largue mais, caso não queira passar o resto da noitada em pé segurando o copo na mão. Paga-se R$ 15,00 para entrar ou R$ 25,00 de consumação mínima – facílima de superar, com long neck Bohemia a R$ 5,00 e Jack Daniels a R$ 14,50 a dose.
Quer saber? Qualquer hora volto lá em busca das tais sensações bizarras. Se não as sentir, continuarei voltando. Vale a pena mesmo que nunca as encontre.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Trair e nem se coçar

Um dia desses, na semana passada, decidi dar uma parada no centro para conferir os filmes em cartaz. Expediente desnecessário, pois nas salas aonde gosto de ir pode-se encarar praticamente qualquer filme sem nem olhar o nome e a ficha técnica. Quase sempre são filmes ótimos. Refiro-me às salas do roteiro cult paulistano, dos quais fazem parte o Cine HSBC Belas Artes, o Reserva Cultural e o Unibanco Arteplex, entre outros. Aliás, como toda regra tem exceção, neste último espaço tive o azar de embarcar numa tremenda roubada, ao aceitar um convite para assistir o pseudo-documentário “O Segredo, homônimo do caça-níquel editorial lançado quase simultaneamente com o filme. Fora isso, nunca me arrependi de nenhum filme exibido nestas salas.

Pois bem: lá fui ao Belas Artes. Escolhi o filme na base do “papai-mandou” e acabei assistindo ao belíssimo “A quase verdade”, longa francês do diretor Sam Karmann, classificado como comédia (não ri muito) e lançado em 2007.

Não é nenhuma grande produção e nem se trata daqueles filmes que não se pode passar a vida sem assistir. A história baseia-se nos desencontros amorosos de um grupo de personagens que amam ou nutrem fortes desejos por pessoas próximas, invariavelmente comprometidas. É um filme de gente que trai sem dor na consciência. A grande sacada é conseguir dizer que a infidelidade pode ser um mau negócio, sem embarcar nos batidos discursos moralistas. Apesar de despretensioso, faz o espectador sair do cinema pensando na vida – o que não significa que não seja divertido. Vale a pena.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Apresentação

Este é um blog sobre diversão e arte. Decidi juntar as duas coisas porque não consigo vê-las separadas. Respeitadas as preferências pessoais, não me ocorre nenhuma forma de arte que não possa ser divertida. Talvez exista alguma, mas não me lembro...

Neste blog publicarei comentários despretensiosos sobre exposições, espetáculos, filmes e outras formas de arte. Ou seja, não é um blog de arte comentada, mas de comentários sobre artes. Qualquer um poderá concordar ou discordar das minhas opiniões, deixando um recado. Acredito na construção coletiva do conhecimento pela troca de idéias.

Falar especificamente sobre diversão será um pouquinho mais complicado, pois muita coisa pode ser classificada como diversão. Entre chacoalhar o corpo nas previsíveis baladas e a leitura de um bom livro na cama, existem mil possibilidades. Procurarei publicar comentários sobre coisas legais de fazer e lugares que valem a pena ser visitados. Serão pontos de vista pessoais, evidentemente, que poderão ser tomados como sugestão por quem os achar pertinentes. Contudo, preciso deixar claro que não sou baladeiro e não tenho a menor vocação para me tornar, o que significa que uma parcela significativa das pessoas considera chatas as coisas com que me divirto. Prometo me esforçar, experimentando novas opções. Além disso, brevemente terei a ajuda de gente bem mais qualificada que eu para falar sobre baladas. Enquanto isso, vou respondendo pelas postagens.

É isso. No mais, sejam bem vindos e comentem sempre.