domingo, 21 de dezembro de 2008

Os Bandidos, de Schiller, no Teatro Oficina

Ontem comecei a voltar à vida. Primeiro dia de férias, pós-graduação (lato sensu) concluída, aprovado para o mestrado em 2009, pude voltar a fazer algo que gosto muito: observar a cena cultural paulistana.

Decidi começar pelo Teatro Oficina, que conheço de longa data. A ocasião era propícia, pois tratava-se do último fim de semana da peça Os Bandidos, de Friedrich Schiller, com direção, obviamente, de José Celso Martinez Correa e encenação do grupo Uzyna Uzona. A motivação a mais encontrei no ótimo texto do ator Pascoal da Conceição (Castelo Rá-Tim-Bum), publicado na Folha desta semana – não me lembro o dia – sobre o espetáculo.

Não vou gastar adjetivos falando sobre o Oficina. O que penso sobre Zé Celso e o seu teatro estão resumidos num breve ensaio publicado no meu outro blog. Confira.

Já o espetáculo... esse é difícil descrever. Definir então, pior ainda. À complexidade do texto e da montagem, some-se as 6 horas de duração da peça. A expressão que me vem com mais força é hard core, embora certamente não seja a mais adequada. Do ponto de vista formal, o texto de Schiller faz parte do Sturm und drang, movimento alemão que se opôs ao iluminismo racional do século XVIII propondo uma literatura selvagem e primitiva – espontânea, acima de tudo –, do qual Schiller e Goethe são os principais representantes. No Oficina, assimilado e reinventado (antropofagiado) pelo modernista tardio Zé Celso, o Sturm und drang virou strumedomangue.

A encenação começa na rua, antes de os portões do Teatro serem abertos. Os atores vêm para fora cantando e dançando, dão as mãos a quem estiver por perto e formam uma imensa roda que impede o trânsito. Os carros começam a buzinar impacientes, mas ninguém se incomoda. A única preocupação da trupe é criar sintonia com a platéia e prepará-la para a profusão de emoções que se seguirá. A cantora Céllia Nascimento, paramentada de pomba-gira, entoa com ótima voz:

“Exu é duas cabeças
Ele olha sua banda com fé
Uma é Satanás no inferno
A outra é Jesus de Nazaré”

O aviso está dado. Daí para adiante, quem entra no recinto o faz por conta e risco próprios. Mas ninguém vai embora.

Adaptado para, mais uma vez, denunciar a luta entre o Oficina e o grupo Sílvio Santos, vizinhos de calçada que vivem uma rixa de décadas, o enredo apresenta um decadente magnata da TV que vive o drama de ter um filho renegado e chefe de bando, Damian, e outro, Cosmus, ambicioso ao ponto de tramar a morte do pai. Aparentemente, uma história banal. Porém, o modo como a história é contada faz toda a diferença. Esqueça a cena francesa, linear, calma como a narração da vovó. Os 19 atores e três figurantes correm, saltam, cantam, dançam, gritam, sobem escadas, transformam-se em fantoches, ficam nus, simulam estupros e relações homossexuais, xingam muito, cospem, dão tiros uns nos outros, cheiram cocaína com bomba de flit, entre outras performances. Excelentes músicos criam o background perfeito, do trompete solitário ao estrondoso solo de bateria.

Apesar da profusão de estímulos jogados sobre o público, nada é gratuito. Os atores não ficam nus para chamar a atenção, como nos carros alegóricos do carnaval. Apenas atuam para além do comum. Tanto, que ninguém do público se sente autorizado a enxergá-los diferentes do que são: personagens do drama que paira sobre todos nós, o drama da luta do bem contra o mal, no qual o que parece bom pode revelar-se extremamente perverso, e o mau às vezes não é como o descrevem.

“Exu é duas cabeças
Ele olha sua banda com fé
Uma é Satanás no inferno
A outra é Jesus de Nazaré”.