quinta-feira, 3 de junho de 2010

McDonald’s e Franz Kafka: tudo a ver

Tudo que queríamos era tomar um singelo sorvete. Andávamos sem rumo pela avenida Paulista no fim de um longo domingo e a opção mais óbvia foi o McDonald’s. Lá fomos eu, Fernanda, Alice, Pedro e Douglas.

O desejo por sorvete não combinava com o clima. Chá quente ou capuccino era o que o vento gelado recomendava, mas queríamos sorvete.
Entramos no McDonald's e constatei aliviado que estava vazio. O balcão de sorvetes perto da entrada permite fazer pedidos tanto de dentro da loja, onde estávamos, como do lado de fora, onde há uma simpática varanda. Fizemos o óbvio: dirigimo-nos à atendente e pedimos pelo número.
– Senhor, só posso te atender pelo lado de fora.
– Ãhh?!?!
– O senhor tem que ir do lado de fora da loja, para fazer o pedido.
– Como assim?
– Não posso te atender por aqui. O senhor precisa sair da loja e dirigir-se à varanda, para fazer o pedido.
– Mas moça, aqui há um balcão, eu estou te vendo e você me vê, estamos um ouvindo o outro. Não posso fazer meu pedido?
– Por aqui, não. A câmera não deixa.
– Câmera? Que câmera?
– Aquela ali. Ela está ligada e eu não posso te atender por aqui.
– Mas...
Solenemente, a atendente me deu as costas e chamou: – Próximo!
Era a cena do mês. A mais esquisita.
– Moça, por favor. Eu ainda não entendi. Por que preciso sair da loja para ser atendido?
Visivelmente irritada, ela me ignorou.
Eu não sou chato. Resignado, saí para o frio e fui até à parte externa do balcão. Foram pedidos milk shakes, sundaes e outras delícias padronizadas. Para mim, apenas uma casquinha mista, de chocolate e creme.
– Aqui só temos creme. Se o senhor quiser chocolate, terá que pedir no balcão principal.
– Aquele que fica dentro da loja?
– Isso mesmo. Qual sabor o senhor vai querer?
– Quero casquinha mista, de chocolate e creme.
– Aqui só temos creme.
– Lá dentro tem misto?
– Não. Lá só tem chocolate.
– Ãhhhh?!?!
– Sim. Aqui só tem creme. Lá dentro, só chocolate. Qual o senhor vai querer?
– Quero os dois juntos. Misto, entende?
– Não tem.
– Mas está no cardápio.
– Eu sei, mas não tem. Qual o senhor quer?
– Puxa, moça. Está difícil. Eu queria misto.
– Então o senhor decide enquanto atendo outro cliente. Próximo!
– Já decidi, moça. Me dá qualquer um que você tiver aí.
– Qual?
– Qualquer um.
– O senhor tem que dizer. A câmera está ligada e o senhor tem que falar qual é o seu pedido.
– Tá bom. Eu quero de creme. É esse que tem aqui fora ou é o de lá de dentro?
– Não. Creme é aqui mesmo. São R$ 1,50. Algo mais?
– Só isso. Aliás, mais uma pergunta: depois que comprar o sorvete eu posso entrar na loja para tomar lá dentro? Aqui está frio.
– Pode.

Se você aí lembrou de Franz Kafka, acertou na mosca. Sendo mais específico, na barata, pois o asqueroso ser que surgiu do nada e começou a passear livremente pelo chão da lanchonete, como se conferisse o "bom" atendimento dado à clientela, parecia saído do romance Metamorfose (download gratuito). Rapidamente saquei o celular com a intenção de fotografar a ilustre presença, mas ele é uma péssima câmera fotográfica. Fico devendo o registro.

Um comentário:

Roberto Bezerra disse...

Texto delicioso, Elizeu. Espero que o sorteve também tenha valido a pena. Afinal, uma experiência como essa tinha de render algo de bom!!!