No meu aniversário de 18 anos ganhei uma festa preparada por
alguns amigos sinceros. Conversa vai, conversa vem, chegou a hora de soprar as velas
e então me impuseram um ritual que denota claramente o caráter crédulo do
grupo: eu deveria revelar algum dos meus desejos mais íntimos, para que este se
realizasse. Para decepção geral, falei apenas platitudes. No entanto, no ouvido
de uma garota em quem estava de olho, segredei que gostaria de escrever um
livro e vê-lo publicado. Meu sonho tinha um quê de sublime, pois consistia no
desejo de falar às mentes, de indicar caminhos, de influenciar pessoas. Era meu
modo particular de querer ser deus.
Não me recrimino, pois este não era um anseio apenas meu (embora
lamentavelmente eu estivesse entre os últimos a admitir a inocuidade daquela pretensão). Até John Lennon, o expoente beat e pré-hippie, que teve a mórbida honra de compartilhar com
Jean-Paul Sartre o 1980 como ano derradeiro da vida, pois sim, nem o beattle mais famoso conseguiu evitar (ou
furtar-se) uma insuspeitada queda pelo desejo de divindade. (I hope some day / You'll join us / And the world will live as one –
Imagine). Não
fossem agourentos da estirpe de Nietzsche, Kierkegaard, Schopenhauer,
Heidegger, meu sonho juvenil faria todo sentido. No entanto deus já estava
morto e eu não sabia. Sim, demorei a perceber o desaparecimento do sublime, mas
convenhamos: existências milenares não podem desaparecer de uma hora para a outra.
Ao longo do século XX, nos estertores da divindade, ainda havia muita gente querendo
ser deus. De Martin Luther King a Adolf Hitler, de Stalin a Thatcher, passando
por Mandela, Guevara, Gandhi, Madre Teresa e uma infinidade de outros. Não é
legítimo que eu também almejasse meu quinhão?
Deparei-me com estes pensamentos dias atrás, depois de
assistir a apresentação da banda Reback num bar da Zona Norte de São Paulo. São
5 garotos sonhadores igual fui um dia (Victor Abdo, Giovanni Bócoli, Vinícius
Leal, Diego Fernandes e Douglas Carvalho), que tocam um rock pesado e
convincente. Descontada a limitação técnica do ambiente e dos equipamentos e o
fato de eu não apreciar o estilo punk
defendido pela banda, restou uma apresentação honesta de quem não quer mudar o
mundo e nem construir futuro algum. Tão óbvio quanto a banda Reback sonha com
palcos mais nobres e público maior que os amigos presentes ao bar, soa
cristalino que não pretendem ser deuses.
Não querem mesmo. Basta observar o som pesado que fazem como
acompanhamento às palavras gritadas ao microfone e o visual grunge que adotam. No conjunto, são itens de uma
plástica eloquente que desnuda o télos inexistente.
Não há deus, não há nada além da mera existência. Eles sabem disso e só querem
tocar rock. Vivem da fé de que o rock se basta e por isso querem apenas tocar
rock. Algum demérito nisso? Não, nenhum. Antes, reconheça-se que se entregam
verdadeiramente àquilo que creem, pois com ou sem deus, é fundamental que a
verdade sobreviva.
Reverências para os garotos do Reback, pois,
como proclamou Allen Ginsberg ao descobrir a morte do divino, “o vagabundo é
tão sagrado quanto o serafim”.
2 comentários:
Ooo meu... adorei Zeu... valeu mesmo xDD
Porra cara... adorei!! Valeuzão Zeu! Abraaços...
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